quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Amar e escrever




Não necessariamente nessa ordem. Aliás, ordem pra quê? De qualquer forma, deixemos essas confabulações para depois, certo? Agora que siga o texto em outro ponto, sendo que já estamos pondo a ordem em questão aqui, mesmo...

Bem... Quero ser escritor um dia. Um desses escritores praticantes, que se designam assim quando lhe perguntam “o que você faz?”. Um dia também quero poder responder “eu escrevo”. Uma criança de primeira série bem poderia dizer o mesmo, é verdade, mas não com o sentido que quero dar a essa resposta: “Eu escrevo”. Ou quem sabe sim? Talvez ser escritor seja, em certo sentido, o mesmo que voltar a ter 5 anos e estar na primeira série; afinal, quem mais se orgulha tanto de saber escrever além destas duas classes de pessoas; uma quando recém começou a aprender e a outra que está constantemente recém aprendendo?

Quero exercer meu suspeitoso talento criativo e meu duvidoso talento literário. Tenho estado cada vez mais inclinado a pôr a prova estas potencias qualificações. É aí que entra uma inquietante questão: estou pronto para começar?

Penso que me falta algo essencial. Experiência? Sim, sim. Às vezes me considero ainda muito cabeça de melão para escrever um livro. Acho que ainda não vivi o suficiente para conseguir criar algo interessante; sabe... Com sustância! Porém, como sou um cara confuso e preguiçoso por excelência, eventualmente me vem a indagação se isso não seria só uma desculpa comodista; ora, impossível não conseguir escrever algo interessante com a bagagem de experiências que disponho até o momento.

Acontece que desculpas, meu caro, tem sua função e fundamento. Nunca são SÓ desculpas. Falta sim algo que primo como elemento essencial, no meu caso. E, sem suspenses, esse algo é simplesmente amor. Mas não limite o amor que falo aqui ao romance. Expanda o significado ao máximo, pois o amor não emana só entre os casais, o amor que falo aqui é o amor que permeia a vida dos homens em seus mais gloriosos atos.

Pois bem... Não posso dizer que nunca experimentei, sabe... o tal do amor. O que posso dizer é que não estou satisfeito. Ás vezes a vida proporciona degustações aqui e ali, o cheirinho de um assado de amor acolá, desses que, antes que você desfrute, ele torra por descuido de alguém; mas nunca realmente um prato cheio, uma quentinha depois da labuta, muito menos um banquete de Platão — Platão podia se chamar Pratão, mas seria um trocadilho besta —; enfim, nunca nada de empanturrar os mais esfomeados. Degustações são muito limitadas, porque a experiência da degustação não representa a experiência plena do consumo. Como assim? — Você poderia perguntar — Ora, um vinho que você degusta no supermercado, que você prova sabendo que está de passagem, servido naqueles copinhos de plástico — já começa por aí! — por exemplo, não está na garrafa que você deixa na adega até o momento certo de abrir, escolhido com capricho; você provavelmente não vai dividi-lo com a pessoa que você gostaria naquele momento; você não estará cercado do ambiente ao qual você estaria desfrutando o tão aprazível cabernet; ou seja, você não degusta apenas o objeto, você degusta o momento, a companhia — nem que seja a sua somente — e toda a atmosfera que o envolve. Degustações são limitadas por isso: o sabor dos alimentos transcende o sentido palatal. E como o amor é um alimento para a alma, degustações não são suficientes — talvez sequer seja amor, at all —.

Eu quero experimentar todos os amores na minha sala de estar, ficar empanturrado de todos os tipos e sabores: amor pela família, amor pelos amigos, amor pelo meu amor, amor próprio, amor pela vida e, nesse caso em especial, amor pela literatura. Quero temperar todos com tudo o que tenho de melhor. Talvez assim, saciado, eu consiga produzir um delicioso livro que alimentará outras almas.

Agora é oportuno retomarmos a questão da ordem. Com relação a isso, após refletir bastante, estou mais inclinado a pensar que só serve para atrapalhar, mesmo. Pra quê esperar tanto, não é? Li uma frase na internet esses dias que dizia o seguinte: “If you wait for perfect conditions, you will never get anything done”. Parece que é um trecho da bíblia; enfim, é um pensamento interessante. Talvez condições perfeitas nem sequer existam, sendo assim, provavelmente, esperaria para sempre o amor em toda sua virtude, e nunca teria realmente escrito um livro. E, pasme ou não, acredito que essa condição idealizada de vida surtiria justamente o efeito contrário: acho que com a vida tão plena, aí mesmo que não escreveria nada! Bem que soa como contradição, não é? Bem... Prefiro entender o que digo aqui mais como a evolução de um raciocínio, o qual em algum momento surtado sofreu um plot twist.

O que se tira de tudo isso, então? Cheguei a algumas conclusões. Primeira: Paradoxalmente, talvez, as condições ideais para realizar algo — dentro de uma dimensão concebível, claro — surjam justamente após você já ter posto em prática o ato almejado, essa é uma estranha ironia do processo criativo — inclusive, percebi isso recentemente no relato de criação de autores já consagrados como Alan Moore e David Lloyd —; segunda: É desinteressante, no final das contas, ter todas as condições atendidas, pois a insatisfação é uma das mais fortes e belas forças motrizes de um bom autor; e ultima: É melhor não esperar condições perfeitas com a ilusão de que somente aí amará o resultado daquilo que fez, pois o mais importante é amar o próprio ato de fazê-lo.

Com tudo isso em mente, é... Acho que seria bom começar a escrever!

sábado, 28 de abril de 2012

Lucidez


Ruben Moreno - Four Dimensions of Mindfullness


Lucy nunca se soube no mundo dos homens. Deitava-se no chão e cobria as estrelas com os dedos. Nunca piscava, tinha medo de não querer mais abrir os olhos. Visitava sempre o mesmo céu noturno, apresentava-se a cada vez. Jovem nunca fora desde que nasceu, a não ser, talvez, pela tez virgem que a vestia, pela voz suave que só os poetas ouviam, por suas mãos viçosas, pelos olhos pueris de desarmar o tempo... E pelo próprio tempo que não tinha. Também não era velha, a não ser, talvez, pelo andar digno de quem desenha o mundo, pelo saber que só os poetas sabiam e por esses mesmos olhos que pintavam as cores dos astros. Ria-se dos pensamentos que lhe pipocavam a mente: queria ser flor de vinte dias, o cometa Halley, um pingo da chuva, um sorvete de chocolate com baunilha, um símbolo indígena, Ártemis, um gato de Louis Wain...

Não sabia em quais mentiras acreditar. Para Lucy, a rosa dos ventos não apontava direções, por isso seguia pelo caminho em que suas pernas andavam. Amanhecer era um milagre todos os dias. Tudo era um milagre. Passava pelas janelas das casas das pessoas e acenava para tudo o que lá havia. Tudo acenava de volta, exceto as pessoas. Sacudia os ombros quando ria, e ria muito disso. Caminhava de mãos dadas às incertezas do próximo passo. Sempre dizia que não existia fora, mas que a luz era uma cortina linda que nos protege da escuridão que mora lá. Tudo era um paradoxo. E o maior de todos os paradoxos, o que Lucy mais gostava, era o de nada ser, na verdade, um paradoxo.

Certa vez, andando pelas ruas, viu num beco um punhado de crianças rindo de um filhotinho de vira-lata todo tosado, exceto a cabeça que continuava bem peludinha como sempre fora, provavelmente. Ela então tirou toda sua roupa, exceto sua touca, e sentou-se do lado do cãozinho. Daí os adultos juntaram-se as crianças, mas não estavam mais rindo.

De lá pra cá, vinha e ia, mas voltava sempre para o mesmo ponto: o alto de uma alva colina, para ali se apresentar a noite, ouvir sua música e dançar... E dançava a noite inteira sobre os pés da existência. Quando cantava percebia que as palavras traçavam ritmos, ecoavam no infinito e modelavam o balé cósmico. Era impossível falar sem sentido, dizia. Sabia, quase sem perceber, que nada que existia tinha explicação fora de si mesmo. Lucy não tinha uma para ela. Até um ser que fosse onisciente descobriria, mais tarde, não ser tão onisciente assim, pois não possuiria o poder de defini-la.  Havia só um ser capaz disso: o homem do mundo dos homens.

Lucy nunca se soube no mundo dos homens. Caminhava seminua nas paisagens que pintava. Acordava sempre dentro de seu sono. Seguia seus passos de olhos fechados, pois uma vez piscara. Conduzia sua própria nave nas viagens entre bolhas de salão. Sim, com certeza ela fazia tudo isso e muito mais. Contudo, sem nunca sair do quarto de um manicômio.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Contato

René Magritte - Lovers (1928)


Seu comigo, tão consigo
Cria sentido
Nessa saudade
Que não para
De aumentar...

Não consigo, não contigo
Fitar dois palmos
Um par de asas
Ou os passos
Pra ficar...

Meu comigo, seu consigo
Constroem pontes
Entre horizontes
Que se perdem
Em nenhum lugar...

Meu contigo, seu comigo
Querem abrigo
Sair do castigo
Do soslaio
De seu olhar.