terça-feira, 10 de novembro de 2009

Gato de botas VS Perdigueiro

Nota: É a mesma situação do conto O Príncipe Sapo: outro ponto de vista. Escrevi esse conto chamado Gato de Botas VS Perdigueiro baseado no conto O Gato de Botas original, que você pode conferir abaixo.



O Gato de Botas






Adaptado do conto de Charles Perrault




Um moleiro, que tinha três filhos, repartindo à hora da morte seus únicos bens, deu ao primogênito o moinho; ao segundo, o seu burro; e ao mais moço apenas um gato. Este último ficou muito descontente com a parte que lhe coube da herança, mas o gato lhe disse:


— Meu querido amo, compra-me um par de botas e um saco e, em breve, te provarei que sou de mais utilidade que um moinho ou um asno. ssim, pois, o rapaz converteu todo o dinheiro que possuía num lindo par de botas e num saco para o seu gatinho. Este calçou as botas e, pondo o saco às costas, encaminhou-se para um sítio onde havia uma coelheira. Quando ali chegou, abriu o saco, meteu-lhe uma porção de farelo miúdo e deitou-se no chão fingindo-se morto. Excitado pelo cheiro do farelo, o coelho saiu de seu esconderijo e dirigiu-se para o saco. O gato apanhou-o logo e levou-o ao rei, dizendo-lhe:


— Senhor, o nobre marquês de Carabás mandou que lhe entregasse este coelho. Guisado com cebolinhas será um prato delicioso.


— Coelho?! — exclamou o rei. — Que bom! Gosto muito de coelho, mas o meu cozinheiro não consegue nunca apanhar nenhum. Dize ao teu amo que eu lhe mando os meus mais sinceros agradecimentos.


No dia seguinte, o gatinho apanhou duas perdizes e levou-as ao rei como presente do marquês de Carabás. O rei ficou tão contente que mandou logo preparar a sua carruagem e, acompanhado pela princesa, sua filha, dirigiu-se para a casa do nobre súdito que lhe tinha enviado tão preciosas lembranças. O gato foi logo ter com o amo:


— Vem já comigo, que te vou indicar um lugar, no rio, onde poderás tomar um bom banho.


O gato conduziu-o a um ponto por onde devia passar a carruagem real, disse-lhe que se despisse, que escondesse a roupa debaixo de uma pedra e se lançasse à água. Acabava o moço de desaparecer no rio quando chegaram o rei e a princesa.


— Socorro! Socorro! — gritou o bichano.


— Que aconteceu? — perguntou o rei.


— Os ladrões roubaram a roupa do nobre marquês de Carabás!


— disse o gato. — Meu amo está dentro da água e sentirá câimbras.


O rei mandou imediatamente uns servos ao palácio; voltaram daí a pouco com um magnífico vestuário feito para o próprio rei, quando jovem.
O dono do gato vestiu-o e ficou tão bonito que a princesa, assim que o viu, dele se enamorou. O rei também ficou encantado e murmurou:


— Eu era exatamente assim, nos meus tempos de moço.


O gato estava radiante com o êxito do seu plano; e, correndo à frente da carruagem, chegou a uns campos e disse aos lavradores:


— O rei está chegando; se não lhes disserem que todos estes campos pertencem ao marquês de Carabás, faço-os triturar como carne para almôndegas. De forma que, quando o rei perguntou de quem eram aquelas searas, os lavradores responderam-lhe:


— Do muito nobre marquês de Carabás.


— Com a breca! — disse o rei ao filho mais novo do moleiro. — Que lindas propriedades tens tu! moço sorriu perturbado, e o rei murmurou ao ouvido da filha:


— Eu também era assim, nos meus tempos de moço.


Mais adiante, o gato encontrou uns camponeses ceifando trigo e lhes fez a mesma ameaça:


— Se não disserem que todo este trigo pertence ao marquês de Carabás, faço picadinho de vocês. Assim, quando chegou a carruagem real e o rei perguntou de quem era todo aquele trigo, responderam:


— Do mui nobre marquês de Carabás.


O rei ficou muito entusiasmado e disse ao moço:


— Ó marquês! Tens muitas propriedades!


O gato continuava a correr à frente da carruagem; atravessando um espesso bosque, chegou à porta de um magnífico palácio, no qual vivia um ogro que era o verdadeiro dono dos campos semeados. O gatinho bateu à porta e disse ao ogro que a abriu:


— Meu querido ogro, tenho ouvido por aí umas histórias a teu respeito. Dize-me lá: é certo que te podes transformar no que quiseres?


— Certíssimo — respondeu o ogro, e transformou-se num leão.


— Isso não vale nada — disse o gatinho. - Qualquer um pode inchar e aparecer maior do que realmente é. Toda a arte está em se tornar menor. Poderias, por exemplo, transformar-te em rato?


— É fácil — respondeu o ogro, e transformou-se num rato.


O gatinho deitou-lhe logo as unhas, comeu-o e desceu logo a abrir a porta, pois naquele momento chegava a carruagem real. E disse:


— Bem vindo seja, senhor, ao palácio do marquês de Carabás.


— Olá! — disse o rei — que formoso palácio tens tu! Peço-te a fineza de ajudar a princesa a descer da carruagem. O rapaz, timidamente, ofereceu o braço à princesa e o rei murmurou-lhe ao ouvido:


— Eu também era assim tímido, nos meus tempos de moço.


Entretanto, o gatinho meteu-se na cozinha e mandou preparar um esplêndido almoço, pondo na mesa os melhores vinhos que havia na adega; e quando o rei, a princesa e o amo entraram na sala de jantar e se sentaram à mesa, tudo estava pronto. Depois do magnífico almoço, o rei voltou-se para o rapaz e disse-lhe:


— Jovem, és tão tímido como eu era nos meus tempos de moço. Mas percebo que gostas muito da princesa, assim como ela gosta de ti. Por que não a pedes em casamento?


Então, o moço pediu a mão da princesa, e o casamento foi celebrado com a maior pompa. O gato assistiu, calçando um novo par de botas com cordões encarnados e bordados a ouro e preciosos diamantes.
E daí em diante, passaram a viver muito felizes. E se o gato às vezes ainda se metia a correr atrás dos ratos, era apenas por divertimento; porque absolutamente não mais precisava de ratos para matar a fome...






Gato de botas VS Perdigueiro




Era uma vez um gato, e ele usava botas. Suas botas eram novas, mas o gato já estava velho, era respeitado no castelo onde morava, na verdade era um senhor, não o senhor absoluto, havia ali apenas um a quem era subordinado. Este era o Rei de Carabás. O rei, se hoje possuía esse título, devia-o ao seu fiel gato que havia ganhado de herança de seu pai.
Acontece que esse rei agora se via em uma situação desconfortável, pois chegará ao seu portão o seu irmão mais velho, que em cólera pedia razões e explicações de tudo que havia se passado com o irmão caçula. Tiveram uma conversa fechada:


Irmão mais velho:


- Rei de Carabá?! Rei de Carabá?! Como rei de Carabá?! Que impropério me provocas! Por quais sortilégios ainda tenho que passar? De um lado um irmão com um asno se torna o burguês mais pomposo do reino, agora aqui chego e descubro que o reino é do mais novo!


Rei de Carabá:


- Sim. E julgas sortilégios o sucesso de teus irmãos? Para mim é uma maravilhosa surpresa saber que nosso irmão está bem. Tu ficas enraivecido com a fortuna dos teus. Diga-me! O que o traz aqui com tanto furor?


Irmão mais velho:


- Pois então lhe digo já! Nosso falecido pai me lança uma traição póstuma, para mim que sou o mais responsável, deixa um moinho sem serventia. Para vocês que sempre foram os beberrões, deixa condições de produção. Agora me diga: O que ele deu sem testamento e em segredo a ti e ao outro, que não puderam compartilhar comigo?


Rei de Carabás:


- Como ousas insultar a memória de nosso pai? Nada ficou oculto em seu inventário. Tudo que ele tinha distribuiu a nós. Se hoje estamos no luxo, é porque soubemos multiplicar os ganhos, se ainda hoje você está somente com aquele moinho, é porque sua imaginação não o move.


Irmão mais velho:


- Então sua imaginação deve ser estupenda. Sim! Pois conseguiu se tornar rei! Vejamos então irmão! Não convém mais discutir. Quero lhe propor um desafio!


Rei de Carabás


- Que desafio?


Irmão mais velho:


- Quero propor-lhe uma disputa! Caçaremos até o dia de amanhã. Aquele que chegar aos portões quando o sol estiver em seu zênite com mais perdizes será o vencedor da contenda. Pode usar o animal que quiser, porém apenas um. Se eu vencer eu fico com o reino.


Rei de Carabás:


- Sonhas? Por que aceitaria? O que eu tenho a ganhar que possa valer mais que o reino?


Com um sorriso macabro o irmão mais velho responde:


- O nosso irmão. Recuse e ele estará perdido. Só eu sei onde ele está.


Estarrecido, o rei de Carabás responde:


- Bastardo! Como... Como ousas ameaçar tal fraticídio?! Você realmente não vale nem o chapéu que nosso pai usava. Maldito!


Irmão mais velho:


- Huahahahahaha! O início vai ser agora. Prepare-se, porque o meu cão, o Perdigueiro, é o melhor cão caçador que se tem notícias, custou-me muito caro, vendi aquele imprestável moinho para comprá-lo. Vejo-te amanhã. Tchauzinho maninho!


O irmão mais velho foi embora. O rei de Carabás em choque, mal podia acreditar no que sucedera. Quem lhe despertou a atenção foi o Gato de Botas, que estava ali escondido.


Gato de Botas:


- Que crápula! Será que não tem vergonha dessa forma vil de conseguir as coisas?


Rei de Carabás:


- Olha quem fala! Huahaahhaua! Mas pelo menos você não ameaçou ninguém de morte.


Gato de botas fala um tanto desconsertado:


- Hu-hum. Bem... Perderemos nosso reino se não fizermos nada. Vamos lá e mostrar para ele que ninguém pode ser um caçador melhor do que eu!


Rei de Carabás entusiasmado:


- É isso! Tenho certeza que você pode caçar mais perdizes do que qualquer canino. Vamos logo!


Pegaram tudo que precisavam e saíram rapidamente. Logo já estavam no bosque rastreando perdizes, mas o gato de botas sabia um jeito melhor de encontrá-los e foi até um ninho onde nunca faltavam. Lá chegando foi surpreendido, o Perdigueiro já estava colocando no saco uma porção de perdizes e disse:


Perdigueiro:


- Prazer! Sou o Perdigueiro e já o conheço. Você é o Gato de Botas. Sabia que sua reputação o precede?


Gato de Botas:


- O prazer é meu Sir Perdigueiro. Sabia que sua reputação não perde para a minha? Só que mentem os boatos, seu focinho é mais eficiente do que reza a lenda.


Perdigueiro:


- Sim, mas não vou ser tolo em superestimar ele, pois se a lenda é verdadeira a seu respeito, precisarei mais do que meu focinho para ajudar meu senhor a vencer esta competição.


Nisso interrompe o irmão mais velho:


- Deixe de trela com esse cuspidor de pêlo, Perdigueiro! Vamos caçar mais perdizes!


E foram bosque à dentro e sumiram de vista. Mas o rei de Carabás ficou muito surpreso com o respeito com que o Gato de Botas e o Perdigueiro se tratavam, certamente seriam grandes rivais. Enfim continuaram a caçar perdizes, mas sempre se repetia a história. Chegavam onde havia perdizes e descobriam que era tarde demais, pois todas as perdizes não estavam mais lá.
Numa dessas, o perspicaz gato achou estranho um aspecto. Não havia penas, sangue, nem marcas de luta pelo chão. O mistério o incomodava. Até que decidiu ir para o lugar mais recôndito da floresta, onde a luz mal penetrava. Mas não sem objeções:


Rei de Carabás:


- Você tem certeza que quer ir para lá? O Pântano Crivado é o pior lugar para se procurar perdizes, aliás, acho que vida alguma reside lá, e os que vão geralmente não voltam.


Gato de Botas:


- Nada temas a não ser o próprio medo, mestre! — exclamou o corajoso felino — Confie em mim.


Então foram. Precisaram de quatro horas para chegar lá, e lá chegando começaram a entrar cada vez mais no coração do Pântano Crivado. Não era fácil andar ali, existiam muitos buracos, e muitos deles cheios de lodo, mas um lodo tal que se alguém pusesse os dois pés ali poderia dar o adeus, pois seria engolido. Porém, o incrível é que o gato parecia saber por onde estava andando, e assim conseguia evitar cada buraco, além dos outros perigos que se apresentavam.
Chegando ao coração do Pântano Crivado, depararam-se com uma imensa árvore morta. Havia ali uma espécie de porta e o gato avançou e arranhou ela. O jovem rei não estava entendendo nada, e passou a entender menos ainda quando um macabro tigre abriu a entrada. Era um tigre velho, com bigodes muito brancos e raros, usava bengala e um chapéu pontudo. E disse com sua voz rouca após ajeitar os óculos que quase pendiam de seu rosto:


- Oh! Mas se meus velhos olhos não me pregam uma peça é o meu afilhado!


Gato de Botas:


- Sim, dindo, ainda podes confiar nos teus olhos, é sim teu afilhado. E trago comigo meu mestre. Mestre, este é o meu dindo, Tigre de Bengala — o Gato de Botas os apresentou — Eu trago ele aqui par...


Enquanto ainda estava falando o Gato de Botas leva uma bengalada na cabeça.


Tigre de Bengala:


- Isso é por vir até aqui, depois de tanto tempo, sem me trazer sequer um daqueles coelhos suculentos que tem no bosque. Agora entrem. Acomodem-se e digam que interesse vocês têm com esse velho.




Entraram onde mais parecia um covil abandonado a séculos do que uma casa na árvore. Lá o jovem rei ficou conhecendo o padrinho do Gato de Botas e passou a entender o porquê do gato ter resolvido falar com tão estranha criatura. Era porque simplesmente o Tigre de Bengala era um excelente alquimista e sabia como preparar uma essência que faria com que todas as perdizes das proximidades fossem atraídas ao sentirem a fragrância exalada pela poção. O tigre, então, preparou a poção para eles. Não cobrou nada além de uma visita mais calma após tudo ter sido resolvido.
Sem mais demoras voltaram para o bosque, já era amanhecer do dia seguinte e o Gato de Botas mal podia esperar para ver a cara do Perdigueiro ao ver eles com tantas perdizes.
Usaram a poção logo, todavia vinham menos perdizes do que esperavam, encheram apenas seis sacos deles. O sol já estava quase em seu zênite quando chegaram no castelo com os seis sacos de perdizes.
Logo chegaram o Perdigueiro e seu senhor, com seis sacos de perdizes também. Contaram as perdizes e ali havia um empate, ambos tinham 128. O gato de botas disse:


- Incrível! Que método você usou para pegá-los?


Perdigueiro:


- Apenas falei com eles, prometi não matá-los e libertá-los após a contagem. Também prometi a eles que se colaborassem entregando onde estavam seus amigos, depois de nos tornarmos senhores do reino, instauraríamos uma lei que proibisse a caça de perdizes para sempre neste bosque. Assim eles colaboraram, teríamos ainda mais se o irmão de seu senhor não matasse os que ele achava no caminho, uma pena... Mas me surpreendo com seu número de perdizes também. Como fez para pegá-los?


Gato de Botas:


- Incrível, estou fascinado com suas astúcias Perdigueiro. Eu contei com a ajuda disto.


Quando o Gato de Botas mostrou o frasco e o abriu, as perdizes vivas que estavam com o Perdigueiro começaram a ir para o lado do Gato de Botas. Eles ficaram apavorados e tentaram agarrar alguns, mas foi em vão, imediatamente depois de alguns já terem mudado de lado, tocou o sino do castelo que anunciava o meio-dia e a troca de turnos dos serviçais, e isso fechou oficialmente a contenda, fazendo com que o Gato de Botas e seu mestre vencessem.
Pularam de alegria os dois parceiros, o rei e seu gato, e o jovem exigiu seu irmão. O irmão mais velho não quis cumprir sua parte no trato e saiu correndo bufando, foi quando o cão Perdigueiro — que depois de saber a verdade arrependera-se de ter ajudado tal crápula, mesmo ele sendo seu amo — o mordeu na perna para evitar que fugisse, embora ele não fosse conseguir ir muito longe, pois após um comando já ensaiado da rainha, que estava ali também, surgiram os guardas reais de vários lugares aos arredores do castelo, onde estavam escondidos. Assim cercaram o covarde e o capturaram, com a ajuda do cão.


A rainha disse:


- Como combinado! Achei que não ia poder participar desse capítulo importante de nosso reino, mas acabei sendo útil, ainda bem.


Rei de Carabá:


- Excelente trabalho, meu amor! Nosso plano deu certo. Agora façam com que confesse onde está o meu irmão.


Perdigueiro:


- Nem precisa, podem mandá-lo direto para a masmorra. Eu mesmo posso informar isso a vocês. Basta que me dêem um objeto que tenha o cheiro dele impregnado.


Aí o rei de Carabás se lembrou de que havia ganhado de presente, certa vez, a moeda da sorte de seu irmão, assim o Perdigueiro cheirou a moeda e foi de encontro ao cativeiro do irmão aprisionado do rei. Eles o acharam em um covil distante, próximo às malocas onde o irmão mais velho morava.
Tudo ficou bem depois, o rei de Carabás libertou as perdizes, adotou o Perdigueiro, nunca mais se esqueceu de pedir notícias ao seu irmão, e este nunca mais deixou passar muito tempo sem visitar seu amado familiar. O irmão mais velho ficou muito, muito tempo aprisionado, até se arrepender do que fizera e ser expulso para muito longe do reino. O Gato de Botas foi visitar novamente o Tigre de Bengala e voltou com outro galo enorme na cabeça, pois mais uma vez esquecerá-se de levar o coelho que o pobre velho tanto gostava.



The End...?

O Príncipe Sapo: outro ponto de vista

Nota: Há pouco mais de um ano escrevi esta releitura do popular conto intitulado O Príncipe Sapo, isso quer dizer que para entender minha releitura será necessário conhecer o conto original, que está disponibilizado abaixo.



O Príncipe Sapo


Há muito tempo, quando os desejos funcionavam, vivia um rei que tinha filhas muito belas. A mais jovem era tão linda que o sol, que já viu muito, ficava atônito sempre que iluminava seu rosto.
Perto do castelo do rei havia um bosque grande e escuro no qual havia um lagoa sob uma velha árvore.
Quando o dia era quente, a princesinha ia ao bosque e se sentava junto à fonte. Quando se aborrecia, pegava sua bola de ouro, a jogava alto e recolhia. Essa bola era seu brinquedo favorito. Porém aconteceu que uma das vezes que a princesa jogou a bola, esta não caiu em sua mão, mas sim no solo, rodando e caindo direto na água.
A princesa viu como ia desaparecendo na lagoa, que era profunda, tanto que não se via o fundo. Então começou a chorar, mais e mais forte, e não se consolava e tanto se lamenta, que alguém lhe diz:
- Que te aflige princesa? Choras tanto que até as pedras sentiriam pena. Olhou o lugar de onde vinha a voz e viu um sapo colocando sua enorme e feia cabeça fora da água.
- Ah, és tu, sapo - disse - Estou chorando por minha bola de ouro que caiu na lagoa.
- Calma, não chores -, disse o sapo; Posso ajudar-te, porém, que me darás se te devolver a bola?
- O que quiseres, querido sapo - disse ela, - Minhas roupas, minhas pérolas, minhas jóias, a coroa de ouro que levo.
O sapo disse:
- Não me interessam tuas roupas, tuas pérolas nem tuas jóias, nem a coroa. Porém me prometes deixar-me ser teu companheiro e brincar contigo, sentar a teu lado na mesa, comer em teu pratinho de ouro, beber de teu copinho e dormir em tua cama; se me prometes isto eu descerei e trarei tua bola de ouro".
- Oh, sim- disse ela - Te prometo tudo o que quiseres, porém devolve minha bola; mas pensou- Fala como um tolo. Tudo o que faz é sentar-se na água com outros sapos e coachar. Não pode ser companheiro de um ser humano.
O sapo, uma vez recebida a promessa, meteu a cabeça na água e mergulhou. Pouco depois voltou nadando com a boa na boa, e a lançou na grama. A princesinha estava encantada de ver seu precioso brinquedo outra vez, colheu-a e saiu correndo com ela.
- Espera, espera - disse o sapo; Leva-me. Não posso correr tanto como tu - Mas de nada serviu coachar atrás dela tão forte quanto pôde. Ela não o escutou e correu para casa, esquecendo o pobre sapo, que se viu obrigado a voltar à lagoa outra vez.
No dia seguinte, quando ela sentou à mesa com o rei e toda a corte, estava comendo em seu pratinho de ouro e algo veio arrastando-se, splash, splish splash pela escada de mármore. Quando chegou ao alto, chamou à porta e gritou:
- Princesa, jovem princesa, abre a porta.
Ela correu para ver quem estava lá fora. Quando abriu a porta, o sapo sentou-se diante dela e a princesa bateu a porta. Com pressa, tornou a sentar, mas estava muito assustada. O rei se deu conta de que seu coração batia violentamente e disse:
- Minha filha, por que estás assustada? Há um gigante aí fora que te quer levar?
- Ah não, respondeu ela - não é um gigante, senão um sapo.
- O que quer o sapo de ti?


- Ah querido pai, estava jogando no bosque, junto à lagoa, quando minha bola de ouro caiu na água. Como gritei muito, o sapo a devolveu, e porque insistiu muito, prometi-lhe que seria meu companheiro, porém nunca pensei que seria capaz de sair da água.
Entretanto o sapo chamou à porta outra vez e gritou:
- Princesa, jovem princesa, abre a porta. Não lembras que me disseste na lagoa?
Então o rei disse:
- Aquilo que prometeste, deves cumprir. Deixa-o entrar.
Ela abriu a porta, o sapo saltou e a seguiu até sua cadeira. Sentou-se e gritou: - Sobe-me contigo.
Ela o ignorou até que o rei lhe ordenou. Uma vez que o sapo estava na cadeira, quis sentar na mesa. Quando subiu, disse:
- Aproxima teu pratinho de ouro porque devemos comer juntos.
Ela o vez, porém se via que não de boa vontade. O sapo aproveitou para comer, porém ela enjoava a cada bocado. Em seguida disse o sapo:
- Comi e estou satisfeito, mas estou cansado. Leva-me ao quarto, prepara tua caminha de seda e nós dois vamos dormir.
A princesa começou a chorar porque não gostava da idéia de que o sapo ia dormir na sua preciosa e limpa caminha. Porém o rei se aborreceu e disse:
- Não devias desprezar àquele que te ajudou quando tinhas problemas.
Assim, ela pegou o sapo com dois dedos, e a levou para cima e a deixou num canto. Porém, quando estava na cama o sapo se arrastou até ela e disse:
- Estou cansado, eu também quero dormir, sobe-me senão conto a teu pai.
A princesa ficou então muito aborrecida. Pegou o sapo e o jogou contra a parede.
- Cale-se, bicho odioso; disse ela.
Porém, quando caiu ao chão não era um sapo, e sim um príncipe com preciosos olhos. Por desejo de seu pai ele era seu companheiro e marido. Ele contou como havia sido encantado por uma bruxa malvada e que ninguém poderia livrá-lo do feitiço exceto ela. Também disse que no dia seguinte iriam todos juntos ao seu reino.
Se foram dormir e na manhã seguinte, quando o sol os despertou, chegou uma carruagem puxada por 8 cavalos brancos com plumas de avestruz na cabeça. Estavam enfeitados com correntes de ouro. Atrás estava o jovem escudeiro do rei, Enrique. Enrique havia sido tão desgraçado quando seu senhor foi convertido em sapo que colocou três faixas de ferro rodeando seu coração, para se acaso estalasse de pesar e tristeza.
A carruagem ia levar ao jovem rei a seu reino. Enrique os ajudou a entrar e subiu atrás de novo, cheio de alegria pela libertação, e quando já chegavam a fazer uma parte do caminho, o filho do rei escutou um ruído atrás de si como se algo tivesse quebrado. Assim, deu a volta e gritou:
- Enrique, o carro está se rompendo.
- Não amo, não é o carro. É uma faixa de meu coração, a coloquei por causa da minha grande dor quando eras sapo e prisioneiro do feitiço.
Duas vezes mais, enquanto estavam no caminho, algo fez ruído e cada vez o filho do rei pensou que o carro estava rompendo, porém eram apenas as faixas que estavam se desprendendo do coração de Enrique porque seu senhor estava livre e era feliz.








O Príncipe Sapo: outro ponto de vista.




Consta na ata da SPH “I” (Sindicato dos Personagens de Histórias “Infantis”) do histórico dia 29 de março do ano 16 d.d (depois da Disney), escrita e organizada pelo Sr Carlos, que é escriba, arquivista, copeiro, faxineiro, eletricista, office boy e organizador dos documentos referentes aos processos da SPH “I” — resume-se estagiário — os depoimentos dos presentes que participaram do conselho deliberativo, realizado mediante as reivindicações do Diretório das Bruxas, onde a principal reclamação é a falta de reconhecimento do papel das bruxas nos contos, com base no Conto Infantil n° 66658 - 46/1, intitulado O Príncipe Sapo, a Bruxa Malvada redigi seu relato:




Presentes na ocasião:




• Sº Gepeto – Presidente do SPH “I”
• Sª Rapunzel – Coordenadora de Discursos da SPH “I” e garota propaganda da marca de xampus e condicionadores Seda®
• Sª Bruxa Malvada – Representante do Diretório das Bruxas do SPH “I” e personagem do Conto n° 66658 - 46/1
• Rei – Autônomo e personagem do Conto n° 66658 - 46/1
• Jovem Princesa – Estudante de Artes Cênicas e personagem do Conto n° 66658 - 46/1
• Príncipe Sapo – Administrador de empresa, ambientalista e personagem do Conto n° 66658 - 46/1.
• Henrique – Líder do movimento GLS e personagem do Conto n° 66658 - 46/1






Relato da Sª Bruxa Malvada a respeito dos fatos do conto n° 66658 - 46/1:




No dia 13 de Setembro do ano 7 a.d (Antes da Disney) estava uma tarde chuvosa, na verdade, tempestuosa. Eu estava tranqüilamente preparando umas novas poções que vi no programa Annonimus Bruxa, quando bateram à minha porta, atendi e tive uma surpresa. Era a V.M Rei, trajava um sobretudo escuro com capuz, eu só o reconheci quando um relâmpago iluminou sua face senil, na hora até pensei que fosse o Frank (enstein) que vinha trazer as ervas que lhe encomendei, mas era sexta, e sexta é dia do Frank folgar. O que queria o rei, sem escolta, vindo a minha humilde masmorra daquele jeito? Foi o que lhe perguntei depois de convidá-lo para entrar e sentar-se.


Depois de um café e de trocar novidades banais, o Rei contou-me a que veio. Fiquei mais surpresa com seu pedido do que com sua aparição soturna. Ele queria que eu enfeitiçasse o Príncipe do outro reino, impondo a condição de que o feitiço só seria desfeito caso se casasse com sua filha, a Jovem Princesa. O porquê não ousei perguntar, também o código de ética da profissão me impede de questionar meus clientes, como também de recusar o trabalho, apesar de não querer fazer isso com aquele tão simpático príncipe que uma vez me deu até uma vassoura movida a biodiesel de presente, em uma assembléia em defesa do meio ambiente. — Acho que isso é uma maldição que serve como um preço a ser pago pelo poder que é concedido a nós, bruxas. Fazer o quê? É meio injusto, mas justiça, infelizmente, só em contos de fadas —.


Depois de receber metade do pagamento pelo serviço, e escutar algumas lamúrias do rei que se lamentava de alguns aspectos pessoais de sua vida íntima com a rainha, ofereci-lhe uma poção revigorante e ele foi embora com um sorriso no rosto, nessa hora o sol apareceu de novo, parece que o sol sempre aparece quando se ajuda alguém, já percebeu?


Dia 16 de setembro apareceu o Frank, com ele consegui o que precisava para preparar a poção, decidi que transformaria o príncipe em sapo, sei lá o motivo, acho os sapos tão bonitinhos, acho que todos adoram sapos, então pensei: “A princesa vai amar!”. Não sabia o quanto estava enganada.


Fui ao reino do Jovem Príncipe com olhos brilhantes, disfarcei-me de loira da marca de cerveja Scroll, e é claro, disfarcei a poção, o fiz em forma de cerveja — às vezes fico impressionada de ver como sou esperta, é mais do que experiência, acho que nasci para isso, mas retornemos aos fatos —, fui a uma feira que acontecia na cidadela do reino, na praça estavam muitas pessoas, desde burgueses, realezas até camponeses comuns, descobri que acontecia ali a 15º Feira do Pergaminho, que sorte! Não podia ser melhor, não precisaria de uma boa desculpa para armar uma barraca e oferecer cervejas ao público.


Esperei pacientemente até aparecer o príncipe, ele surgiu e procurei a cerveja falsa, mas para meu infortúnio, percebi que já havia dado a cerveja falsa por acidente ao Zangado quando ele apareceu na barraca. Contudo, como sou inteligentemente prevenida, além de linda — desculpem-me pela falta de modéstia, mas sou D+, vamos combinar! —, tinha preparado uma poção reserva, ali estava ela, ofereci ao pobre príncipe, ele bebeu de um só gole, pediu mais cerveja depois, dei-lhe e ele se foi todo agradecido e meio tonto. Como demoraria umas vinte quatro horas para surtir efeito, tive que sair dali e espiar se o plano daria certo — às vezes as poções falham —, até mesmo por que não havia mais cerveja, ainda faturei uma grana com as vendas — e não é que dá dinheiro isso! —.


Com o tempo livre e uns dobrões a mais, aproveitei para comprar alguns pergaminhos, finalmente achei a obra de um escritor novo chamado Jesus, que possui doze heterônimos, esse jovem se diz filho de deus, não duvido, mil vezes já aconselhei Zeus a usar preservativo, mas ele sempre ignora, depois acontece como aconteceu com Hércules e lá vai pensão. Dizem que seu best-seller intitulado A Bíblia Sagrada será referência de vida para pelo menos metade das pessoas do mundo, mas pode ser só mais um exagero da crítica.


Voltei para casa, descansei um pouco, depois me transformei em mariposa e fui espiar o Jovem Príncipe. Cheguei lá e ali estava ele na cama, tendo convulsões e babando muito, a poção estava funcionando — uma pena essa metamorfose ser tão desconfortável, ele não precisaria passar por isso —. Acabou que virou um belo sapo, não um sapo qualquer, um altivo sapo, um verdadeiro sapo majestade. Foi por pouco que não viro o jantar, acabei esquecendo o fato de os seres recém transformados surgirem loucos de fome, sendo assim, estava estática ali admirando minha obra e quase recebi uma linguada, lembra que eu estava na forma de uma mariposa? Pois é, por um segundo quase fatal eu esqueci.


Lembro que na universidade nunca algum professor me disse para não informar as minhas “vítimas” como se libertar do feitiço, isso sempre gera uma polêmica danada na Assembléia das Bruxas, umas adotam o silêncio, outras preferem falar sempre, e outras ainda julgam se falam ou não dependendo da vítima, eu me encaixo no último perfil e como julguei por bem que seria melhor contar ao jovem, assim fiz, contei-lhe tudo, até quem encomendou a mandinga — termo feio, mas é quase isso —, claro que fiz isso depois de mostrar minha identidade, não arriscaria uma segunda vez virar comida de sapo, e pela cara que o jovem Príncipe Sapo fez quando lhe contei, seria exatamente esse meu destino. Após isso o deixei no lago onde a princesa brincava, lá ele comeu muitos insetos — E cá entre nós, acho que acabou até gostando —.


E como a Jovem Princesa conheceu seu marido já é sabido, assim como o que sucedeu depois... (vide o conto O príncipe Sapo acima).




Agora umas considerações adicionais:




É evidente que o príncipe se apaixonou pela princesa assim que a viu, e que a princesa se apaixonou pelo Jovem Príncipe Sapo, assim que deixou de ser sapo. Tudo acabou bem, houve um final feliz.




Príncipe e Princesa: Casaram-se, conquistaram mais reinos e estão mais apaixonados do que nunca, o príncipe ainda come alguns insetos escondido. Tiveram dois filhos: Um garoto agora com 18 anos chamado João, ama surfar. Uma garota agora com 17 anos chamada Maria — eles não têm muita criatividade para nomes, não é mesmo? —, hoje ela tem uma casa de doces, toda feita de... DOCES!




Rei: Conseguiu muito poder desde que o príncipe casou com sua filha, seu nome está virando lenda, até teve mais um filho, o que deveria ser impossível — realmente minhas poções são muito boas, estou pensando até em lançar uma linha —. Batizaram a criança e a chamaram de Arthur — agora batizam as crianças, não consigo me lembrar onde foi que li sobre esse costume —, agora ele está com 23 anos e é um jovem valente e possui um espírito muito forte de liderança.




Henrique: Oh! É mesmo! Henrique também achou seu sapo, ele é meio mal humorado, mas Henrique e ele se dão muito bem!






Fim do relato!




Sº Presidente Gepeto:




- Muito bem. Os presentes no conselho afirmam o testemunho dos fatos acontecidos?




Jovem Príncipe exclama exaltado:




- Eu não como insetos nada!




O Rei, vermelho que parecia um tomate, tenta esboçar um comentário:




- Bem... Sobre aquele probleminha... Eh... Na verd...




Presidente Gepeto interrompe:




- Fora os pormenores que não cabem aqui! Alguém nega os fatos mencionados?




Todos:




- Não.




Rapunzel:




- Então tem algo mais a declarar Sª Bruxa Mal... Ha... Hum! Digo: A Sª Bruxa?




Bruxa:




- Sobre os fatos não, foi tudo exatamente como relatei.




Pres. Gepeto:




- Muito Bem! Está evidente que as bruxas estão sendo discriminadas realmente, no conto n° 66658 - 46/1, intitulado O Príncipe Sapo, além de não constar praticamente a presença importantíssima da bruxa, ela é taxada de malvada, maligna e outras injurias nunca merecidas, porque senão fosse o papel dessas trabalhadoras competentes, nenhum de nós estaria aqui dessa maneira hoje, posso dizer isso até porque já fui agraciado pela magia benevolente dessas profissionais de caráter, ou acham que quem deu vida ao meu filho Pinóquio, hoje presidente da república, foi a Barbie? Sendo assim, com o poder a mim concedido, mandarei organizar uma comissão que terá como objetivo primordial, fundar medidas que além de mostrar o papel digno dessas fadas mal vistas, irá proporcionar a cada uma delas o respeito e admiração que merecem. Corrigiremos não só o conto O Príncipe Sapo, mas também todos os tantos que tiverem de ser reescritos. Declaro assim encerrado o Conselho Deliberativo.




Todos aplaudem. Assim, pela primeira vez, naquele dia 29 de março de 0016 d.d, a justiça foi feita e todas as bruxas, ao mesmo tempo, tiveram um final feliz também.




Epa epa! Não quer saber o que aconteceu comigo?




Eu, a Bruxa Ex-Malvada: Virei presidente da Assembléia das Bruxas, mas abdiquei do cargo porque era muito burocrático e monótono, do que eu gosto mesmo é de estar no campo de batalha, meus trabalhos se multiplicaram exponencialmente após o dia 29. Fiquei milionária, pois abri uma fábrica de poções revigorantes, entre outras coisas, recebo presentes todos os dias de maridos e esposas satisfeitos. Ganhei um contrato com a Scroll, virei garota propagandas, sabe aquela tchutchuca que aparece com a cerveja e faz os homens babarem? Sou eu! Acho que virei a pessoa mais amada do mundo, deve ser porque todos os dias faço o sol brilhar para alguém. Beijinhos!!






The End...?

domingo, 1 de novembro de 2009

Cata-vento

Yolanda nasceu em berço esplêndido, sua família era abastada o suficiente para lhe garantir as mais diversas frivolidades que sua imaturidade infantil poderia desejar. Se numa segunda pela manhã pedisse uma casinha de bonecas de fina carpintaria, naquela noite suas bonecas teriam um novo teto para dormir, se quisesse um pônei em um feriado, seu pai lhe compraria este pequeno equino no próximo dia útil, se o pônei tivesse que ser albino, a raridade da encomenda, talvez, resultaria em uma semana de atraso, mas certamente receberia um.


Porém, teve uma coisa que Yolanda sempre quis, e nunca pediu. Um cata-vento de brinquedo.


Quando tinha sete anos, em um de seus passeios dominicais pelo movimentado parque da cidade, Yolanda assiste a uma cena que nunca abandonou suas memórias: uma criança da sua idade está brincando com sua mãe, quando de trás de uma árvore próxima à eles, surge o pai com um enorme sorriso, e visivelmente ocultando, nas costas, algo que está segurando...


- Adivinha o que lhe trouxe?!


A criança não pôde adivinhar o que era o objeto, mas o pai logo revelou a surpresa, era um lindo e colorido cata-vento.
Aquela família, que parecia ser humilde, continuou ali no parque, todos se divertindo. Uma cena que pareceu que duraria para sempre, assim como os giros que aquele cata-vento fazia na mão da criança.


Desde então, Yolanda sonhou em ganhar um cata-vento, mas nunca pediu, pois achava que se pedisse, receberia, e receber, para ela, não significava a mesma coisa que ganhar. Logo, o tempo passou e Yolanda cresceu mantendo esse sonho calado, nem sequer fazia menção desse desejo aos seus amigos mais próximos, a algum marido que teve, ou à alguma filha, nunca deu a entender que um cata-vento realizaria seu sonho, vindo lá de sua aurora.


Dona Yolanda, já idosa, doente, com suas forças já vacilando, o corpo já exausto, desejoso do descanso definitivo, passava as rastejantes horas no seu leito, que já não mais ousava abandonar, salvo apenas para cumprir as demandas das necessidades mais básicas e exigentes. Ali pensava em sua vida, nas dores e as delícias que experimentou, nos filhos, nos netos e bisnetos tão amados, nos seus maridos, todos já falecidos, e concluía que havia sido feliz na soma total - “muito feliz”, diria ela. Só uma coisa lhe faltava: ganhar um cata-vento.


Numa manhã de domingo, Dona Yolanda recebe a visita de uma de suas filhas, e junto com ela sua neta de cinco anos de idade. A garotinha entra no quarto e vai correndo até a avó, e Dona Yolanda feliz recebe um beijo da menininha, que também a abraça docemente. Nesse momento, a netinha vai até a bolsa de sua mãe, abre e tira dali um cata-vento. Dona Yolanda olha o singelo brinquedo, mas não esboça nenhuma reação. A garotinha se aproxima, pega a mão enrugada da avó e diz:


- Oh vovó! Trouxe para você!


Dona Yolanda então chorou, sabia que aquele dia chegaria, no fundo de sua alma tinha essa certeza. Disse que seu sonho estava realizado e sua vida estava completa. A mãe da garotinha ficou surpresa com a atitude de sua filha. Disse que ela havia pedido aquele brinquedo insistentemente, mas achou que tinha pedido para ela mesma brincar. Mas não, a garotinha desde o principio pretendia dar o cata-vento para avó.


Naquele domingo, à noite, Yolanda faleceu, mas o cata-vento permaneceu, girando sempre e sempre, de vento em vento.