Não sou um exemplo de sofredor, longe
disso. Todavia, já vivi coisas e suportei coisas. Mas hoje, bem abrigado na
minha zona de conforto, distante no tempo — e em alguns casos, no espaço — não
entendo muito bem como suportei algumas coisas pelas quais passei. Agora, em
segurança, parecem, de certa forma, coisas assustadoras, inaceitáveis ou
insuportáveis. Parece que as situações pelas quais passei invés de me deixarem
mais forte, me deixaram mais fraco, porque penso que seria desesperador passar
por tudo aquilo de novo e que, no mínimo, reagiria de uma forma totalmente
diferente, da qual me orgulharia menos. E olha que nem são “fins de mundo”, na
verdade — embora agora pareçam —. É muito curioso como o ser humano se adapta
as mudanças, ativando novos modos de funcionar, às vezes muito mais fortes. Porém,
este texto não é um elogio às capacidades de superação humana, tampouco um
desabafo sobre a minha vidinha. Não. Este texto é uma crítica ao fato de termos,
o tempo todo, de superar aquelas coisas que já poderiam — há muito! — terem
sido humanamente superadas.
De modo bem geral, a humanidade é (está)
imbecil, somos (estamos) dignos de desprezo, essa é a verdade — ainda guardo uma
reserva de esperança, o que me obrigou a pôr os parênteses desta frase —.
Mas... Certas características do homem são respeitáveis. Este bicho se adapta
como nenhum outro, o que me leva a pensar que talvez seja justamente esta a dádiva
humana. Uma dádiva amaldiçoada, talvez: a maldição é que o homem não usa sua capacidade com sabedoria, perpetuando muitos dos nossos problemas; quando, não raro, criando novos.
O que faz o homem idiota quando um copo
cai e quebra? Adapta-se porcamente — sem ofensa aos porcos —: limpa tudo e
compra outro copo. E, o mais emblemático, não questiona o porquê dos copos
terem que quebrar sempre.
O que faz o homem inteligente quando um
copo cai e quebra? Adapta-se like a boss: primeiro de tudo pergunta o porquê
dos copos terem que quebrar sempre que caem no chão — Já se perguntou isso
alguma vez? — Depois, o homem descobre os motivos, por exemplo: existem leis da
física que determinam o fenômeno da quebra do copo. Mas não só isso, o homem
inteligente descobre que derrubar copos por acidente é uma coisa que
dificilmente o homem conseguirá evitar que aconteça uma vez e outra, pois não
temos uma coordenação motora perfeita ou reflexos super-heroicos para estarmos
seguros de que os copos nunca cairão no chão no que depender de nós. O homem inteligente
também irá considerar que o conteúdo que preenche os copos, às vezes, colaboram
para suas vidas úteis acabem em mil pedacinhos. E o homem inteligente chegará a
muitas outras conclusões. Então entendendo as circunstâncias, ele avaliará quais
serão as possíveis soluções para que os copos não quebrem mais.
Homem inteligente nº1: — Tem como controlarmos a gravidade para que os copos não caiam mais?
Homem inteligente nº2: — Por enquanto não
temos não, senhor.
Homem inteligente nº1: — Temos como deixar
o chão macio para que não quebre o copo, meu jovem?
(Jovem) homem inteligente nº2: — Tem
senhor, mas atrapalharia para nos locomovermos nesse solo fofinho, senhor. E
seria meio caro e trabalhoso demais, portanto não seria uma solução prática,
senhor. Melhor recolher os cacos e comprar outro copo, demandaria menos recursos.
Homem inteligente nº1: Temos como melhorar
cabalmente nossas destrezas para que nunca mais deixemos os copos quebrarem,
honorável parceiro?
(Honorável jovem parceiro) homem
inteligente nº2: Dificilmente, senhor. Além do mais, nem sempre os copos caem
por culpa do homem, senhor. Não resolveríamos, portanto, o problema amplamente.
Os homens inteligentes então seguem
procurando por muitas soluções cabeludas, até chegar à mais simples: substituir
o material com que são feitos todos os copos, por algum material mais resistente
aos impactos. Depois descobrem que é uma solução muito simples e deveriam ter
pensado nela desde o início. Mesmo assim se dão por competentes e saem da
divertida busca por soluções mais radicais com ideias novas para filmes sci-fi,
até que — depois de já terem morrido — as ideias se tornam realidade no futuro
promissor dos homens inteligentes — não exatamente com as mesmas aplicações que
pensaram atribuir a elas, é claro —, pois seus sucessores não estavam mais
ocupados em limpar suas salas de jantar por causa dos copos, então puderam desenvolver outras
coisas.
O homem inteligente descobre que não há
justificativa aceitável para que estejam fatalmente sujeitos ao fenômeno da
quebra dos copos, afinal — alimentar as fábricas de copos não é uma
justificativa aceitável, concorda? —. Depois constrói copos resistentes que não
quebram quando caem no chão, e o problema foi definitivamente resolvido, assim
copos e humanos viveram felizes para sempre.
Cara... já pensou nisso? Agora é a hora
que deixaria você pensando e acabaria o texto aqui, mas não me aguento.
Enfim... Não precisamos nos adaptar bravamente o tempo todo e ficar catando cacos de vidro again and again and again and again (...) como os outros bichos
da natureza inadvertidamente o fazem, coitados — não me refiro a catar cacos,
óbvio, e sim estarem sujeitos às circunstâncias evitáveis —. Somos muito estranhos e
temos essa capacidade de resolver problemas de uma forma peculiar, inclusive os
problemas mais sofridos, e muitos deles de uma vez por todas! Então, por que
não? Só por um século, peloamordedeus! Se não der certo, bem... a gente volta
tudo como é agora, prometo.