domingo, 1 de novembro de 2009

Cata-vento

Yolanda nasceu em berço esplêndido, sua família era abastada o suficiente para lhe garantir as mais diversas frivolidades que sua imaturidade infantil poderia desejar. Se numa segunda pela manhã pedisse uma casinha de bonecas de fina carpintaria, naquela noite suas bonecas teriam um novo teto para dormir, se quisesse um pônei em um feriado, seu pai lhe compraria este pequeno equino no próximo dia útil, se o pônei tivesse que ser albino, a raridade da encomenda, talvez, resultaria em uma semana de atraso, mas certamente receberia um.


Porém, teve uma coisa que Yolanda sempre quis, e nunca pediu. Um cata-vento de brinquedo.


Quando tinha sete anos, em um de seus passeios dominicais pelo movimentado parque da cidade, Yolanda assiste a uma cena que nunca abandonou suas memórias: uma criança da sua idade está brincando com sua mãe, quando de trás de uma árvore próxima à eles, surge o pai com um enorme sorriso, e visivelmente ocultando, nas costas, algo que está segurando...


- Adivinha o que lhe trouxe?!


A criança não pôde adivinhar o que era o objeto, mas o pai logo revelou a surpresa, era um lindo e colorido cata-vento.
Aquela família, que parecia ser humilde, continuou ali no parque, todos se divertindo. Uma cena que pareceu que duraria para sempre, assim como os giros que aquele cata-vento fazia na mão da criança.


Desde então, Yolanda sonhou em ganhar um cata-vento, mas nunca pediu, pois achava que se pedisse, receberia, e receber, para ela, não significava a mesma coisa que ganhar. Logo, o tempo passou e Yolanda cresceu mantendo esse sonho calado, nem sequer fazia menção desse desejo aos seus amigos mais próximos, a algum marido que teve, ou à alguma filha, nunca deu a entender que um cata-vento realizaria seu sonho, vindo lá de sua aurora.


Dona Yolanda, já idosa, doente, com suas forças já vacilando, o corpo já exausto, desejoso do descanso definitivo, passava as rastejantes horas no seu leito, que já não mais ousava abandonar, salvo apenas para cumprir as demandas das necessidades mais básicas e exigentes. Ali pensava em sua vida, nas dores e as delícias que experimentou, nos filhos, nos netos e bisnetos tão amados, nos seus maridos, todos já falecidos, e concluía que havia sido feliz na soma total - “muito feliz”, diria ela. Só uma coisa lhe faltava: ganhar um cata-vento.


Numa manhã de domingo, Dona Yolanda recebe a visita de uma de suas filhas, e junto com ela sua neta de cinco anos de idade. A garotinha entra no quarto e vai correndo até a avó, e Dona Yolanda feliz recebe um beijo da menininha, que também a abraça docemente. Nesse momento, a netinha vai até a bolsa de sua mãe, abre e tira dali um cata-vento. Dona Yolanda olha o singelo brinquedo, mas não esboça nenhuma reação. A garotinha se aproxima, pega a mão enrugada da avó e diz:


- Oh vovó! Trouxe para você!


Dona Yolanda então chorou, sabia que aquele dia chegaria, no fundo de sua alma tinha essa certeza. Disse que seu sonho estava realizado e sua vida estava completa. A mãe da garotinha ficou surpresa com a atitude de sua filha. Disse que ela havia pedido aquele brinquedo insistentemente, mas achou que tinha pedido para ela mesma brincar. Mas não, a garotinha desde o principio pretendia dar o cata-vento para avó.


Naquele domingo, à noite, Yolanda faleceu, mas o cata-vento permaneceu, girando sempre e sempre, de vento em vento.

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