quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Sobre Werther, valores e a felicidade


“Tudo nos falta quando faltamos a nós próprios.” (Werther)

O livro O Sofrimento do Jovem Werther começou me chamando a atenção, primeiramente, pelo formato ao qual foi escrito. Goethe, ao escrever o livro em forma de cartas, conseguiu tornar os relatos do jovem Werther um apelo intimista. Nos sentimos o seu mais fiel amigo, partidários de suas alegrias e sofrimentos.

Cartas é algo interessante. Estamos em tempos onde a comunicação dá-se de forma tão rápida, espontânea e fácil através dos meios instantâneos de comunicação eletrônica. Sendo assim, foi-me motivo de reflexão o papel das cartas na comunicação. Não descarto a importância dos diálogos através dos meios atuais, mas parece que a hiperatividade da modernidade tornou a comunicação algo tão mais superficial.

Talvez as cartas sejam uma forma mais pessoal, profunda e contemplativa de interação entre pessoas.

Mas partamos para o conteúdo do livro... O que eu tenho para falar sobre este livro de Goethe é que o principal núcleo temático, sobre o qual o autor tende a querer fazer-nos refletir a respeito, é de uma pertinência enorme para pensarmos o nosso contexto atual de vida. Quero dizer que a dicotomia entre razão e emoção¹, sempre presente e marcante na sua obra, é, sobretudo, uma discussão sobre a felicidade.

O estilo de vida moderno criou valores frustrantes para a felicidade humana. Os nossos fins, ou seja, os objetivos que determinam nossos projetos de vida, no mundo ocidental e capitalista onde vivemos, tornaram a busca insaciável pelos bens materiais a meta comum dos indivíduos, e por consequência tendemos a pensar que as conquistas desses objetivos trarão, como se fosse um objeto que pode ser carreado, a felicidade.

A felicidade, no meu ponto de vista, não está nas convenções maliciosas que a sociedade ocidental nos instrui a ambicionar desde que nascemos. A razão, no entanto, é importante, tem um fim na sobrevivência humana, não somos tão adaptados instintivamente para sobrevivermos ao meio como os outros animais. Somos animais culturais e racionais, e disso depende nossa sobrevivência, pois através disso transformamos o meio para que nele possamos viver. Mas o problema é que o excesso de racionalidade distorce os valores que realmente contribuiriam para a felicidade humana.

No livro, Werther é um ser humano que não se encontra no mundo racional onde vive, para ele não faz sentido as mesquinharias pelas quais os homens passam a vida inteira lutando, e quando conseguem ainda resta o vazio existencial. Não concorda com a desatenção que a vida materialista gera para os aspectos emocionais e vitais dos indivíduos. Werther sofre, pois é um ser humano deveras sensível e que não consegue tratar com naturalidade o estilo de vida da sociedade onde está inserido. Percebe-se como um homem de valores distintos, mas os quais o deixam numa penosa solidão. Quando encontra uma pessoa, nem que seja minimamente parecida com ele, acha que encontrou tudo. E a paixão que lhe causou Lotte, mas que não pôde consumar, acabou por destruí-lo. E o que mais se esperava, se o significado que ele deu a sua vida não pode ser vivido?

Os nossos objetivos modernos de atingirmos status sociais, padrões de beleza, riquezas e bens de consumo só cria competição, frustração e o vazio entre os seres humanos, e apesar disso ser fruto da racionalidade, é uma atitude, em última análise, das mais irracionais possíveis. Um paradoxo.

A felicidade não é uma receita, não se reduz ao genérico, não é algo uno. Pessoas são felizes de diferentes formas, e correndo o risco de me contradizer, há aqueles que, talvez, atinjam realmente a felicidade através das conquistas acima citadas, mas o que eu quero dizer é que isso não deve ser propaganda de felicidade. Só você é capaz de dizer o que lhe causa o seu bem-estar subjetivo².

O bem-estar subjetivo, então, pode ou não conter o objetivo, mas eu posso afirmar que o objetivo não é o fator determinante. Acho que é, quando muito, um complemento.

É de consenso de muitos pesquisadores da psicologia positiva que os valores mais relacionados com a felicidade pertencem a fatores psicológicos como: “personalidade, otimismo, resiliência, gratidão, presença de altos escores de emoções positivas” (Ferraz et al, 2007).

Está ali na citação: “emoções positivas”. Será que Goethe e seu personagem Werther não estão certos? Será que não devemos dar mais valor aos aspectos emocionais? Será que privilegiarmos o “ser”, invés do “ter”, não seria mais prazeroso para nossas vidas?

Esses são alguns dos questionamentos que o livro me causou, e essas são algumas reflexões que fiz. No início não gostei muito do livro, não por outro motivo senão o de não fazer muito o meu estilo, não curto muito literatura ultra-romântica. Mas depois dessas análises passei a nutrir mais simpatia por ele. Ajudou-me a ter mais claras estas questões. É principalmente por isso que o estimo como um clássico importante, sinceramente acho que vale a pena lê-lo.

Notas:

1.    Aliás, essa dicotomia é algo com que Goethe trabalhou toda sua vida. Só a nível de curiosidade, ele foi, junto com seu amigo Schiller, um dos criadores do movimento Sturm und Drang, conhecido no Brasil como Tempestade e Ímpeto. Movimento que, basicamente, pregava na arte a emoção acima da razão.
2.    Usei um termo da psicologia positiva.

Referências:

GOETHE. O Sofrimento do Jovem Werther. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2009. (Coleção a Obra-Prima de Cada Autor, v.51)

FERRAZ, Renata Barboza; TAVARES, Hermano; ZILBERMAN, Monica L.. Felicidade: uma revisão. Rev. psiquiatr. clín.,  São Paulo,  v. 34,  n. 5,   2007.   Available from .access on 12 Oct.2010.doi: 10.1590/S0101-60832007000500005.

Um comentário:

  1. Bravíssimo! Já li esse livro, culpa de uma professora substituta de Literatura Brasileira que o definiu como o grande acontecimento do romantismo na literatura. Foi inevitável não querer saber mais um pouco sobre o personagem que escrevia suas cartas para Guilherme a fim de desafogar o turbilhão de emoções ocasionado por Carlota. Dizem que esse livro é até auto-biográfico, pelo menos na edição da L&PM diz algo sobre, inclusive contendo muitos fragmentos de cartas ao final, para que se possa compreender melhor a obra.

    Vou ser bem sincera: quando comecei a ler esse livro, prestei muito mais atenção no valor exacerbado que Werther deu à Carlota do que o conflito "ser" e "ter" (ou reparei nesse conflito e considerei-o coadjuvante).

    Ótima resenha, Carlos! Vale sempre a pena vir aqui no teu blog e dispensar alguns minutos de leitura. Parabéns!

    ResponderExcluir