Ruben Moreno - Four Dimensions of Mindfullness
Lucy nunca se
soube no mundo dos homens. Deitava-se no chão e cobria as estrelas com os
dedos. Nunca piscava, tinha medo de não querer mais abrir os olhos. Visitava
sempre o mesmo céu noturno, apresentava-se a cada vez. Jovem nunca fora desde
que nasceu, a não ser, talvez, pela tez virgem que a vestia, pela voz suave que
só os poetas ouviam, por suas mãos viçosas, pelos olhos pueris de desarmar o
tempo... E pelo próprio tempo que não tinha. Também não era velha, a não ser,
talvez, pelo andar digno de quem desenha o mundo, pelo saber que só os poetas
sabiam e por esses mesmos olhos que pintavam as cores dos astros. Ria-se dos
pensamentos que lhe pipocavam a mente: queria ser flor de vinte dias, o cometa Halley,
um pingo da chuva, um sorvete de chocolate com baunilha, um símbolo indígena, Ártemis,
um gato de Louis Wain...
Não sabia em quais
mentiras acreditar. Para Lucy, a rosa dos ventos não apontava direções, por
isso seguia pelo caminho em que suas pernas andavam. Amanhecer era um milagre
todos os dias. Tudo era um milagre. Passava pelas janelas das casas das pessoas
e acenava para tudo o que lá havia. Tudo acenava de volta, exceto as pessoas. Sacudia
os ombros quando ria, e ria muito disso. Caminhava de mãos dadas às incertezas
do próximo passo. Sempre dizia que não existia fora, mas que a luz era uma
cortina linda que nos protege da escuridão que mora lá. Tudo era um paradoxo. E
o maior de todos os paradoxos, o que Lucy mais gostava, era o de nada ser, na
verdade, um paradoxo.
Certa vez,
andando pelas ruas, viu num beco um punhado de crianças rindo de um filhotinho
de vira-lata todo tosado, exceto a cabeça que continuava bem peludinha como
sempre fora, provavelmente. Ela então tirou toda sua roupa, exceto sua touca, e
sentou-se do lado do cãozinho. Daí os adultos juntaram-se as crianças, mas não
estavam mais rindo.
De lá pra cá,
vinha e ia, mas voltava sempre para o mesmo ponto: o alto de uma alva colina,
para ali se apresentar a noite, ouvir sua música e dançar... E dançava a noite
inteira sobre os pés da existência. Quando cantava percebia que as palavras
traçavam ritmos, ecoavam no infinito e modelavam o balé cósmico. Era impossível
falar sem sentido, dizia. Sabia, quase sem perceber, que nada que existia tinha
explicação fora de si mesmo. Lucy não tinha uma para ela. Até um ser que fosse onisciente
descobriria, mais tarde, não ser tão onisciente assim, pois não possuiria o
poder de defini-la. Havia só um ser
capaz disso: o homem do mundo dos homens.
Lucy nunca se
soube no mundo dos homens. Caminhava seminua nas paisagens que pintava. Acordava
sempre dentro de seu sono. Seguia seus passos de olhos fechados, pois uma vez
piscara. Conduzia sua própria nave nas viagens entre bolhas de salão. Sim, com
certeza ela fazia tudo isso e muito mais. Contudo, sem nunca sair do quarto de
um manicômio.
Queria escrever assim!
ResponderExcluirCarlinhos, nem vou dizer nada, tô aqui acordando dentro de um sonho.
Que coisa mais bonita...
Lindão, Carlinhos! Orgulho desse amigo que escreve com tanta sensibilidade.
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